A tecnologia nunca esteve tão avançada, o acesso à informação nunca foi tão fácil, e mesmo assim, muitos se sentem cada vez mais perdidos, desconectados e desmotivados. Em meio a esse paradoxo moderno, uma antiga reflexão filosófica volta a fazer sentido: o Mito da Caverna, de Platão.
Será que, ao sairmos das sombras da caverna, nos deparamos com um mundo tão cruel e complexo que a luz da verdade acaba por cegar e desestabilizar, ao invés de libertar?
No famoso mito, Platão descreve prisioneiros que vivem acorrentados dentro de uma caverna, vendo apenas sombras projetadas na parede. Aquela realidade limitada é tudo o que conhecem. Um dia, um dos prisioneiros é libertado e sai da caverna, descobrindo o mundo real, iluminado pelo sol. No entanto, ao retornar para contar aos outros o que viu, é ridicularizado e rejeitado. A mensagem de Platão é clara: o conhecimento verdadeiro é libertador, mas também doloroso.
Hoje, muitos vivem uma experiência parecida. A “caverna” moderna poderia ser vista como a bolha de ignorância ou ilusões reconfortantes. Com o advento da internet e das redes sociais, fomos “libertos” de muitas dessas bolhas: passamos a ver a realidade nua e crua. Crimes, injustiças, desigualdade, corrupção, guerras, crise climática, ameaças à existência humana. A luz da informação passou a nos bombardear o tempo todo. E isso tem um preço: ansiedade, desespero e, muitas vezes, depressão.
A sensação de que o mundo perdeu o sentido não é rara. Antes, por mais que houvesse sofrimento, as pessoas acreditavam em um futuro melhor, em um propósito maior, em algo que justificasse a existência. Havia magia em viver. Hoje, o excesso de informação parece nos afastar dessa esperança. Somos confrontados a todo instante com a efemeridade da vida, com a indiferença do universo e com a maldade humana. O existencialismo não é mais uma corrente filosófica distante, é o sentimento do dia a dia.
O mito da caverna também nos ajuda a entender porque tanta gente deseja voltar à “escuridão”. O escapismo aumentou: seja através de séries, jogos, consumo excessivo ou mesmo da negação da realidade através de ideologias extremas. É como se muitos estivessem gritando: “Me deixe acreditar que o mundo é simples!”. Mas o mundo não é. E é justamente a nossa tentativa de ignorar essa complexidade que aprofunda o sofrimento.

Nos anos 2000, houve uma transição interessante. Vivemos a esperança de um futuro melhor com os avanços da medicina, da tecnologia e da comunicação. Foi um período onde ainda havia encantamento com o novo. Mas, ao longo da década seguinte, essa inovação deixou de ser novidade e passou a se tornar peso. A polarização política, as fake news, a desconfiança generalizada e o medo constante moldaram uma nova sociedade: mais cínica, mais solitária e menos disposta ao diálogo.
A depressão não surge apenas da dor pessoal, mas do contexto coletivo. Quando o mundo parece sem direção, as relações humanas se tornam superficiais e os ideais perdem valor, o vazio existencial ganha espaço. Em uma sociedade que valoriza o desempenho, a imagem e a produtividade, quem se sente frágil ou cansado é visto como fracassado. Isso piora ainda mais a situação emocional de milhões de pessoas.
Mas talvez o maior ensinamento do mito da caverna seja este: apesar da dor, a verdade vale a pena. É preciso coragem para sair da caverna e mais coragem ainda para permanecer fora dela. Conhecer a realidade é doloroso, mas também é o primeiro passo para transformá-la. E isso só é possível através do pensamento crítico, da empatia e do resgate dos valores humanos.
Por isso, refletir sobre tudo isso é importante. Escrever, conversar, estudar, compartilhar ideias. Talvez não tenhamos respostas imediatas, mas o simples fato de tentar entender o que estamos vivendo já é uma forma de resistência. Não precisamos fingir que tudo está bem, mas também não devemos nos render à apatia.
Talvez viver nunca tenha sido fácil. Mas quando olhamos para a história da humanidade, percebemos que sempre houve momentos sombrios, e em todos eles, a luz não deixou de existir. Por mais que o mundo pareça cruel, ainda podemos criar sentido, conexões e beleza. Mesmo em tempos de caos, ainda há esperança — e escrever sobre isso pode ser o início de uma nova forma de iluminar a caverna.